Encantam-me e fascinam-me as transformações pelas quais passa uma canção em várias versões diferentes ao longo dos anos, sobretudo se cantada com uma nova letra, em tradução. Como se a identidade de algo existisse em movimento e numa constante afirmação, que só pode ser da diferença. Esta romântica "Whispering" que podemos ouvir na versão de 1920 com a orquestra de Paul Whiteman, depois com os All Stars de Louis Armstrong em 1947, passando pela versão de 1964 dos irmãos Nino Tempo e April Stevens, é paradigmática nesse sentido. Escolhi a versão de Boris Vian, "Ah! Si j'avais un franc cinquante", para mostrar uma dessas modificações radicais. A terna canção sentimental transformou-se numa cantilena, que resulta em efeito de distanciação (o V-Effekt brechtiano, Verfremdungs-Effekt, ou seja, à letra, efeito de des-alienação) e crítica ao capitalismo, conservando toda a actualidade nos tempos que vivemos.
"Ah! Si j'avais un franc cinquante!" tornou-se mesmo o indicativo do clube de jazz Le Tabou no Quartier Latin, que Boris Vian e o irmão Alain animavam com a sua orquestra nos anos 1940, no pós-guerra. Curiosamente, não foi em nenhuma destas versões que hoje vos apresento que ouvi a canção pela primeira vez, mas sim num 45 rotações do grupo The New Vaudeville Band, no lado B da popular "Winchester Cathedral". Continua a ser a minha versão preferida, na sua ritmada e leve meiguice e melancolia. Talvez um destes dias consiga pô-la aqui, se a "geringonça" que adquiri no Verão passado e permite transformar cassettes audio e discos antigos em vinil em formato mp3 ainda funcionar este ano...
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